Tomou a mão miúda nas suas,
analisando com minúcia os detalhes de suas linhas, enquanto checava as cartas
do tarô. Da figura do cigano emanava a sabedoria de suas certezas, e o amor de
suas dúvidas. O aspecto pardo de suas mãos, manchadas com o carvão dos fumos, e
turvas dos pêlos grossos que lhes brotavam quase inteiras, não perdia a ternura
afável que irradiava do seu olhar. O sereno de sua respiração enchia o quarto
com gotas de orvalho, impregnando-o com o cheiro entorpecente de seu haxixe, ao
mesmo tempo em que ele exalava um odor de suor cozido que não se deixava
esquecer de sua humanidade. O brilho de suas joias dourava todo espaço,
ensolarando-o à luz de velas. As vestes densas, todas tingidas em tons de
púrpura e rubra, escondiam cicatrizes enormes, uma mais linda que a outra.
Trazia na cabeça um capacete pontiagudo, metálico, enrolado em panos e guizos
como o dos mongóis. Os longos cabelos negros lhe cresciam até a altura do pescoço,
cobrindo as orelhas. Em seus braços, embrulhado em pano grosseiro, o menino
descansava do enorme esforço de nascer. Sua família esperava em silêncio,
complacente, pelo veredito do cigano. A mãe trazia o semblante taciturno, o
pai, a pele árida de lavrador da seca, e os irmãos tinham a barriga cravada por
uma fome retirante. O cigano em nenhum
momento se apiedou de alguém ali. Seu bigode grosso se sobrepunha aos dentes
amarelos enquanto se abriam no sorriso mais lindo de que se tem memória dos
homens, enquanto dizia:
--Vai ser feliz. Nunca vai derramar
uma lágrima de rancor, ou de arrependimento. Vai dar sorrisos à toa, e beijar
sem motivo. Não terá preconceitos, só os necessários. Vai trabalhar sem medo de
ficar cansado, e só sairá de um emprego por sua vontade. Vai fazer fortuna às
próprias custas, e nunca vai passar fome.
Vendo nos olhos de toda aquela
família a felicidade inverossímil do futuro próspero, prosseguiu:
--Vai
conhecer o mundo. Vai falar alemão, casar com uma russa, fazer negócios com a
Índia, e morar na Inglaterra. Será amado apenas por quem vale a pena, independente
de sua vontade. No ápice de sua fraqueza, vai tentar enlouquecer, mas ficará
muito satisfeito quando não conseguir. As árvores que plantar jamais deixarão
de crescer. Vai dançar a balalaika, sem jamais perder a alegria. Os vidros que
quebrar não pisará os cacos. Vai escalar casas apenas para tocar flauta nos
telhados às noites de monotonia. Na dúvida entre a esquerda e a direita, irá
pra frente. Aprenderá a controlar seus sentimentos, mantendo-os longe de
indesejáveis. Vai falar com os deuses, e sempre dará ouvidos ao seu guardião. Vai
escalar montanhas pelo puro prazer de olhar pra baixo. Saberá distinguir o bem
do mal, e será perseguido por isso. Não descansará enquanto não perpetuar seu
nome na história. Vai beber na fonte dos grandes, e não se contentará com
mediocridades. Será sempre o melhor juiz, pois sua justiça será cega. Não vai
deixar que duvidem de seus sentimentos, seja do amor, seja do ódio. Jamais
trará para dentro de casa algo que abale suas estruturas. Em certo ponto de sua
vida, vai abdicar às lágrimas, e dali para frente só dará risada. Não vai
deixar de viver pelos mortos, ou temer a morte pelos vivos. E vai descansar
tranquilo, satisfeito consigo mesmo, redimido de todos os pecados, livre de
rancores da vida, chorando de contentamento, dançando parado, cantando em
silêncio, e sorrindo pra si. Porque ser feliz é o destino dos fortes.