quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Neblina na Serra

E esperou na chuva, excitado, com um sorriso famigerado no rosto, ouvindo cada gota d’água que caía na aba de seu chapéu ecoando no vazio do pensamento. O pingado grosso em seu sobretudo de couro ia tingindo uma musiquinha taciturna no ar, mas ele não escutava. Mantinha a atenção longe do carinho da natureza, do frio glacial que lhe encharcava as roupas, focada com uma paciência de predador no pouco que restou da estrada dos jesuítas. Agarrava-se a um trabuco enferrujado, engatilhado, preparado e apontado, uma peça de artilharia de uma guerra sem mortos que nunca aconteceu. Encarava a neblina sem dó, esperando que saísse dela a sua presa indefesa.
De repente, bem de longe, se ouviu um trotar tímido, como um cavalo andando na ponta dos pés. Foi se aproximando, cauteloso, sem verdadeira noção do perigo. Quando a silhueta do cavaleiro se desenhou na neblina, o atirador nem precisou mirar, apenas apertou o gatilho do trabuco que já apontava pra lá há muito tempo.
O homem, líder sindical, pai de família, e cidadão respeitado, não teve chance de esboçar reação. Teve a cabeça atravessada por um projétil incandescente e caiu defunto. Seu chapéu se perdeu nas copas das árvores. Seu cavalo sumiu no mato. Seu sangue, a terra bebeu com a chuva. Sua carne havia de ser devorada por vermes, e estaria varrida da face da terra em menos de um mês. O homem que lhe matou por prazer e alguns tostões, ele nunca havia de ver. O advogado que iria encontrar no porto de Santos, ficaria esperando ali por mais um mês, enviando cartas e mais cartas ao sindicato dos trabalhadores de Paranapiacaba, que continuaria a dizer que sim, que o Sr. Jair havia deixado a cidade para ir buscá-lo, que sua família também estava preocupada, que tivesse paciência, e que a polícia também estava se envolvendo.

Já o homem que efetuou o disparo, não se sabe mais dele. A história que escreveu em sangue, ninguém veio a ler, pois está envolta em neblina.

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