E esperou na chuva, excitado, com um
sorriso famigerado no rosto, ouvindo cada gota d’água que caía na aba de seu
chapéu ecoando no vazio do pensamento. O pingado grosso em seu sobretudo de
couro ia tingindo uma musiquinha taciturna no ar, mas ele não escutava.
Mantinha a atenção longe do carinho da natureza, do frio glacial que lhe
encharcava as roupas, focada com uma paciência de predador no pouco que restou
da estrada dos jesuítas. Agarrava-se a um trabuco enferrujado, engatilhado,
preparado e apontado, uma peça de artilharia de uma guerra sem mortos que nunca
aconteceu. Encarava a neblina sem dó, esperando que saísse dela a sua presa
indefesa.
De repente, bem de longe, se ouviu um
trotar tímido, como um cavalo andando na ponta dos pés. Foi se aproximando,
cauteloso, sem verdadeira noção do perigo. Quando a silhueta do cavaleiro se
desenhou na neblina, o atirador nem precisou mirar, apenas apertou o gatilho do
trabuco que já apontava pra lá há muito tempo.
O homem, líder sindical, pai de
família, e cidadão respeitado, não teve chance de esboçar reação. Teve a cabeça
atravessada por um projétil incandescente e caiu defunto. Seu chapéu se perdeu
nas copas das árvores. Seu cavalo sumiu no mato. Seu sangue, a terra bebeu com
a chuva. Sua carne havia de ser devorada por vermes, e estaria varrida da face
da terra em menos de um mês. O homem que lhe matou por prazer e alguns tostões,
ele nunca havia de ver. O advogado que iria encontrar no porto de Santos,
ficaria esperando ali por mais um mês, enviando cartas e mais cartas ao
sindicato dos trabalhadores de Paranapiacaba, que continuaria a dizer que sim,
que o Sr. Jair havia deixado a cidade para ir buscá-lo, que sua família também
estava preocupada, que tivesse paciência, e que a polícia também estava se
envolvendo.
Já o homem que efetuou o disparo, não
se sabe mais dele. A história que escreveu em sangue, ninguém veio a ler, pois
está envolta em neblina.
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