sábado, 15 de fevereiro de 2014

O Barão e a Fuga

            Quando chegou à conclusão de que a vida neste mundo era impossível, começou a construir a máquina de sua partida. Durante anos negligenciou a vida em sociedade, empenhando-se unicamente em ciscar pelos ferros-velhos atrás de uma porca ou parafuso que servisse à sua fabulosa construção. Passava as noites trancado em sua oficina, rabiscando rascunhos sem fim e confessando suas frustrações à inocência dos papéis em branco. Planejou um mecanismo absurdo que haveria de libertá-lo definitivamente de sua existência terrena, e a este deu o nome de Barão. Projetou-o gigante, infalível. Tinha cordas de harpa, pernas de aço, e fortes asas de anjo. E quando ficou completo era uma obra-prima em todos os seus detalhes: dos mais letais aos mais sutis.
            Mas quando chegou a hora de ligá-lo, acovardou-se. Foi tomado por um súbito medo do desconhecido. Viu-se refletido na carne de lata do Barão. Sua força, sua ferocidade. Percebeu também nos dois uma incorrigível fragilidade à solidão e ao tempo. Naquele instante soube que criou um amigo, ao invés de um instrumento para sua fuga definitiva.
            Então fechou os olhos, e apertou o derradeiro botão. Dois instantes depois, não havia mais nada em seu escritório. Os móveis haviam sido destruídos pelo fogo, e o teto estava ferido por um gigantesco buraco. Entre os destroços não se podia reconhecer nada deste mundo, com a exceção de um bilhete chamuscado e de algo que poderia ser um esqueleto metálico completamente carbonizado.

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