Foi correndo
ao Livro das Transmutações, buscar entre seus garranchos a magia certa para
salvar seu fiel assistente que derretia no chão de madeira de seu gabinete. Tropeçava
em sua barba e derrubava os potes de vidro com fadinhas em conserva conforme
passava, procurando o mais rápido que podia por aquele raríssimo volume do
conhecimento oculto. Correu por entre as prateleiras, passando pel’O Livro de
Ouro da Demonologia, O Guia Definitivo da Mitologia Celta, A História do
Universo em Um Volume e Meio, e todos os seis tomos d’A Doutrina Secreta. Seu
assistente se desesperava mais a cada segundo, rezando para todos os deuses que
conhecia conforme suas pernas se transmutavam num líquido inverossímil, que
escorria borbulhando pelas tábuas do assoalho e espantava as pequenas criaturas
que viviam debaixo da madeira. Agarrava seu relicário com todas as forças,
marcando a prata lisa com suas impressões digitais. Dentro dele havia a última
mecha de cabelos de sua mãe, mantida viva pelo gênio doce que vivia na
esmeralda que compunha o coração da joia.
Seu mestre já estava a ponto de desistir de achar o livro quando uma das quiméricas criaturas cochichou em seu bolso: “olhe na terceira prateleira”. E justo ali, onde tanto tinha procurado, escondido atrás do Dogma e Ritual da Alta Magia, estava o Livro das Transmutações. Havia sido largado à tirania das traças séculos atrás, quando os segredos das transmutações repentinamente deixaram de ser importantes ao mago das barbas longas. Mas mesmo o péssimo estado de suas páginas, caindo e esfarelando-se ao toque, não conseguia tirar a atenção do mestre de seu discípulo que derretia. Correu por entre as folhas, caçando por algum feitiço que lhe servisse. Achou um que poderia ser usado para inverter processos de fusão ou para fazer as galinhas voltarem ao ovo. Apressou-se em soltá-lo, mas se decepcionou em constatar que o amigo passou a borbulhar mais agressivamente. Tomado pelo desespero, improvisou uma magia para conjurar uma criatura angélica. Seu livro incinerou-se por inteiro, e de seus arcanos de fumaça saiu uma enorme silhueta de outro mundo. Com a descomunal força dos demônios enfurecidos, transpassou uma gigantesca espada pelo peito do assistente e sumiu no ar com uma gargalhada. O mago soluçava de frustração e descontentamento, enquanto uma flora bizarra de arbustos frutíferos florescia no cadáver de seu amigo. Mas seu lamento se converteu em felicidade quando viu o ajudante sair do mato, completamente restituído de suas partes e sem nenhuma deformidade por conta do acidente. Sua pele havia adquirido um saudável tom de azul, e tinha uma tatuagem em formato de espada no peito, pintada com a raríssima tinta que é a misericórdia dos anjos.
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