domingo, 19 de janeiro de 2014

Sobre Baleias e Tapetes Voadores

            Estava prestes a jogar o último tapete ao mar quando ouviu a baleia-jubarte navegando nos céus. Cortava as nuvens com sua forma majestosa, bailando sutil com seus deuses e amigos imaginários. Tomou um momento para admirar o animal, antes de finalizar a árdua tarefa. O grosso bigode salgado escondeu o sorriso triste, enquanto as roupas surradas sufocaram o suor frio. As lágrimas, porém, brotaram livres de qualquer repressão. Deslizavam devagarinho no rosto endurecido, deixando um rastro tênue de humanidade. O tapete não tentava mais reagir. Sem forças, prostrado pelas correntes de ferro que lhe sugavam a vida aos poucos, parecia ter se entregado ao destino triste dos homens que viram demais. Lembrava-se com esforço dos dias de glória, quando flutuava entre as pilastras áridas e pairava sobre as ruas do Mercado Amarelo. O Capitão, em todos os seus anos de mar, nunca tinha visto um tapete voador em pessoa. Viu as hidras e as sereias, as cidades de coral e os peixes de metal. Viu um redemoinho engolir uma ilha inteira, pedra por pedra. Viu navios fantasmas, piratas chineses, lulas gigantes. Encontrou milhares de mensagens em garrafas, todas com declarações de amor a uma mesma mulher: Leonora Augusta. Ouvia outros marinheiros contarem sobre a estranha natureza dos tapetes: seus hábitos de voarem rente ao mar, para sentirem o cheiro da água salgada; seu pavor a todo tipo de opressão; seu amor incondicional pela poesia. Falavam da maneira espetacular com que eles recitavam seus versos, em sua língua lânguida e comprida, como a das baleias-jubarte. Então quando a baleia voadora soltou um longo e triste suspiro, ficou surpreso ao ver o tapete responder na mesma intensidade. Ela voltou a retrucar, e ele respondeu de novo. Falavam-se em lamentos rimados, sons angelicais de outro mundo. O Capitão, comovido pelas vozes de violino, pensava em parar. Pensava em largar tudo, ignorar a diretriz cento e doze, e zarpar para o leste. O tapete, apaixonado, ria e chorava, contando uma história sobre homens e mulheres livres. Nela, um agricultor de pés vermelhos pedia a um gênio pelo poder de plantar uma safra que crescesse até dois metros de altura, e que as pragas não pudessem devorar. O Capitão, porém, tinha medo. Temia que as frotas imperiais o perseguissem até os confins do mundo, cobrando pela morte de todos os dezesseis tapetes voadores. O gênio, que era um homem honrado, perguntou ao fazendeiro o que ele pretendia fazer com este poder. Ele respondeu: “alimentar meu povo!”. Era um nobre propósito, maior que qualquer dinheiro ou conforto do mundo dos homens. O gênio, porém, advertiu: “Irão te caçar e queimar sua lavoura, grão a grão”. Já sabia, e agora estava disposto a morrer numa luta de espadas e enxadas do outro lado do globo, se precisasse. “Mas valerá a pena, se puder alimentar uma alma inocente sequer”, concluiu o homem. Disse, chorou, rompeu as correntes e estendeu o tapete, libertando seus desenhos amarelos. Empunhou a enxada, preparou as costas para o trabalho duro. Observou as criaturas voarem juntas, felizes. Ouviu por mais um momento seu canto angelical. Arou o solo, plantou as sementes. Pegou a bússola e girou o leme de sua embarcação.

6 comentários:

  1. Cara, Muito bom seu conto, muito bom mesmo.
    Eu gosto muito dessas sacadas tipo "O grosso bigode SALGADO escondeu o sorriso triste" que com uma palavra é possível pegar toda uma ideia de quem, onde esta entre outras coisas, sinto inveja dessa escrita,pois eu nunca uso mesmo gostando bastante.

    A unica ressalva que eu posso falar de seu conto é o fato de ser paragrafo único. É bom evitar parágrafos únicos, pois o texto fica cansativo para os olhos e dificulta na leitura, também pode deixar algumas ideias um pouco confusas.

    Mas volto a dizer, seu conto esta ótimo, o surrealismo empregado e os sentimentos expressos pelos personagens nesse mundo fantástico são incríveis.

    PS. Meu nome é Vinicius e eu esto no grupo Storytelling do Face xD

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    1. Vinicius, muito obrigado pela crítica! Estou muito feliz que tenha gostado. Concordo que o parágrafo único é cansativo, só não achei nenhum gatilho neste texto que pudesse justificar a criação de um parágrafo novo. Vou trabalhar nisso no próximo;)

      Qual o seu sobrenome mesmo? Tem mais de um Vinicius lá xD

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    2. Vinícius Mendonça xD
      Esqueci de colocar

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  2. Eu sou uma baleia voadora :)
    Endereço: Nuvemlândia, Rua das gorduras, 1KG
    Se me visitar eu vou te esmagar.
    :/

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