Encararam-se
de longe, e o garoto pôde experimentar da esplêndida realidade do Cervo. Sentiu
as patas fortes cavando a terra molhada, e os enormes cornos abrindo-se no ar. Sentiu
sua respiração úmida, e o poder de seus músculos. Esqueceu-se de seu nome, sua
história, do por que estava ali, das quiméricas criaturas subitamente caladas
em seu bolso... E por um instante, existiu mil vezes ao mesmo tempo. Despertou,
lenta e pacientemente, de dentro de uma semente. Fugiu, apavorado, de uma fera
que o perseguia mato adentro. Sentiu-se enorme, majestoso, com suas raízes enterradas
profundamente na carne do mundo. Desabrochou sem pressa, saudando os
besourinhos que vinham pousar em seu corpo. Correu veloz, riacho, e sentiu-se
bebido por um animal corpulento que ofegava à sua margem. Estendeu seus braços
felpudos de fungo, acariciando a pele dura da árvore onde morava. Apreciou do
profundo silêncio mineral, refletindo sobre os mistérios do tempo e da vida. Piou,
rugiu, grunhiu e grasnou. Sentiu os insetos fazerem ninho no interior de seu
cadáver, revolvendo o pouco de carne que ainda restava para plantar seus ovos.
Devorou um mosquito desavisado que voava perto demais de seu corpo viscoso.
Nadou com cautela entre os caules dos aguapés. Esgueirou-se por entre as
plantas perseguindo sua presa, já saboreando sua carne envenenada. Andou com
sua casa nas costas, cumprimentando devagar todos os espíritos puros da
natureza que cruzavam o seu caminho.
Sentiu até
mesmo o orgulho das ruínas de seus antepassados, tristes testemunhas da queda
da Civilização da Seda. Estas, registros históricos vivos, entregavam-se pouco
a pouco ao abraço úmido da natureza. E cada sensação humilhante como o crescer
de um cogumelo azul em suas cordas de metal, ou o brotar de um pé de feijão em
suas ranhuras, era imediatamente sufocada por uma lembrança dos áureos tempos.
Empenhavam-se em reconstruir, nos mínimos detalhes, as conversas entre os
cientistas e os poetas que um dia repercutiram em suas paredes de pedra. Então
quando viram o espírito de um garoto que se juntava à fantástica realidade da
floresta, decidiram transmitir a ele a sensação mais pacífica que seu orgulho
lhes permitia conhecer: o sono altivo e inquebrantável dos gigantes de ferro.
Mas
mesmo a expressão impassível dos gigantes não era suficiente para o garoto.
Embriagado, apaixonado, degustava cada detalhe da vida na floresta. Apreciava as
mais fugazes impressões dos sentidos, como o vento em suas bochechas ou o
dialeto quadrado das cascas de árvore. Já não dava mais atenção a seu próprio
corpo que se cercava de vermes e abutres, atraídos pelo cheiro da carne que
começava a apodrecer.
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