Despiu seu corpo das vestes de
guerra e largou as espadas e os machados para descansar seu corpo retalhado.
Sua carne não parava de sangrar, enquanto as pontas de flecha envenenadas com
beijos de mulher se embrenhavam cada vez mais em seus músculos quando respirava.
Ao seu redor, a guerra continuava sem misericórdia. Os xamãs gritavam os mais
horríveis impropérios da magia negra, os guerreiros se degolavam com suas
foices enferrujadas, as criaturas sedentas de sangue devoravam os homens vivos,
e o arauto da morte gargalhava no topo de uma árvore seca. E os cavaleiros de
armadura desbotada e espadas incandescentes já não pareciam mais prestar
atenção na grande besta que cambaleava ferida no campo de batalha. Em seu
orgulho, tentou soltar um feroz urro de guerra, mas só conseguiu esganiçar um
berro agudo de dor. Engasgava-se no sangue e na lama enquanto tentava manter de
pé a sua silhueta monumental. Já não tinha mais forças em suas pernas, e não
conseguia levantar nenhum de seus quatro braços por cima dos ombros. Sua cabeça
de elefante não conseguia mexer-se para os lados ou sacudir a tromba. Uma de
suas presas estava quebrada, enquanto a outra resistia bravamente à dor e ao
cansaço que a estilhaçavam por dentro. Fechou os olhos e se lembrou de quando
era o orgulho do exército imperial e rendia fortalezas com olhares de fúria.
Respirou fundo para enfrentar a morte e abriu as pálpebras. Surpreendeu-se
então ao ver um único dente-de-leão flutuando pelo campo de batalha. Em meio
aos cadáveres, o suor e as lágrimas, ele decidiu pousar bem no rosto da grande
besta, entre os seus olhos lânguidos de guerreiro caído. Ela então sentiu a
vida escorrendo por entre os dedos, e caiu no chão sorrindo. O sangue que
jorrava de seu corpo se espalhava pela terra, apenas para transformar-se numa
flora fantástica que estendia seus galhos pelo campo de batalha abraçando os
combatentes em ternura sincera, implorando pela paz ente os povos. Frutificava
no interior das trombetas, impedindo seu brado de violência, e florescia no aço
das espadas, fazendo-as perder toda intenção de maldade. Então quando a paz
abriu seus braços por completo e tocou os exércitos de ponta a ponta, dando fim
a três semanas de batalha consecutiva, puderam todos virar-se para admirar o
cadáver de um colosso inverossímil, cercado por borboletas brancas, adornado
por cogumelos de várias cores, com um estranho cheiro de felicidade e uma flor
de lótus crescendo entre os olhos.
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