quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A Morte da Grande Besta

            Despiu seu corpo das vestes de guerra e largou as espadas e os machados para descansar seu corpo retalhado. Sua carne não parava de sangrar, enquanto as pontas de flecha envenenadas com beijos de mulher se embrenhavam cada vez mais em seus músculos quando respirava. Ao seu redor, a guerra continuava sem misericórdia. Os xamãs gritavam os mais horríveis impropérios da magia negra, os guerreiros se degolavam com suas foices enferrujadas, as criaturas sedentas de sangue devoravam os homens vivos, e o arauto da morte gargalhava no topo de uma árvore seca. E os cavaleiros de armadura desbotada e espadas incandescentes já não pareciam mais prestar atenção na grande besta que cambaleava ferida no campo de batalha. Em seu orgulho, tentou soltar um feroz urro de guerra, mas só conseguiu esganiçar um berro agudo de dor. Engasgava-se no sangue e na lama enquanto tentava manter de pé a sua silhueta monumental. Já não tinha mais forças em suas pernas, e não conseguia levantar nenhum de seus quatro braços por cima dos ombros. Sua cabeça de elefante não conseguia mexer-se para os lados ou sacudir a tromba. Uma de suas presas estava quebrada, enquanto a outra resistia bravamente à dor e ao cansaço que a estilhaçavam por dentro. Fechou os olhos e se lembrou de quando era o orgulho do exército imperial e rendia fortalezas com olhares de fúria. Respirou fundo para enfrentar a morte e abriu as pálpebras. Surpreendeu-se então ao ver um único dente-de-leão flutuando pelo campo de batalha. Em meio aos cadáveres, o suor e as lágrimas, ele decidiu pousar bem no rosto da grande besta, entre os seus olhos lânguidos de guerreiro caído. Ela então sentiu a vida escorrendo por entre os dedos, e caiu no chão sorrindo. O sangue que jorrava de seu corpo se espalhava pela terra, apenas para transformar-se numa flora fantástica que estendia seus galhos pelo campo de batalha abraçando os combatentes em ternura sincera, implorando pela paz ente os povos. Frutificava no interior das trombetas, impedindo seu brado de violência, e florescia no aço das espadas, fazendo-as perder toda intenção de maldade. Então quando a paz abriu seus braços por completo e tocou os exércitos de ponta a ponta, dando fim a três semanas de batalha consecutiva, puderam todos virar-se para admirar o cadáver de um colosso inverossímil, cercado por borboletas brancas, adornado por cogumelos de várias cores, com um estranho cheiro de felicidade e uma flor de lótus crescendo entre os olhos.

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