terça-feira, 17 de setembro de 2013

Não Despreze as Quiméricas Criaturas

                                     

     Procurava mover seu corpo colossal pela multidão do Mercado Amarelo, tentando distinguir a voz dos vendedores e a das quiméricas criaturas que viviam nos bolsos internos do seu jaleco. Usava uma luneta para poder ver já de longe as melhores ofertas de garrafas de sonhos e potes de areia brilhante. Um homem ao seu lado gritava os preços dos pêssegos e dos homenzinhos mecânicos, enquanto outro parecia entretido na mais cansativa das discussões, negociando o valor de uma maçã mordida. Chamou-lhe a atenção um gigantesco animal vestindo uma manta imperial rasgada, que trazia nos braços diversas espécies de peixes pendurados em cabides metálicos. O cheiro do peixe cru já puxava seu corpo em direção à tentação quando sentiu o chifre de uma das criaturas cutucando sua costela. “Não compre! Está estragado”, disse ela. Não convém desprezar as quiméricas criaturas. Cunhadas no suor e nas lágrimas, foram criadas para dar os mais sábios conselhos. “A solução para os problemas do cotidiano”, como as descreveu o vendedor. “Siga em frente”, continuaram aconselhando. Ansioso, continuou avançando sua forma monumental por entre as ruas, admirando através da luneta o espetáculo do Mercado Amarelo. Viu um vendedor de grãos deixar um punhado de lentilhas escorrer por entre os dedos como areia, enquanto outro trazia nos braços cântaros transbordando com mel envenenado. Passou ao seu lado um homem vendendo remédios e outro que oferecia vegetais de todos os tipos. “Compre umas bolinhas rosas para o nervoso”, disse uma das criaturas. “E algumas roxas para os delírios da mente”, completou mais uma. “Leve também alguns legumes para a sopa”, lembrou a outra. Obedeceu apenas para receber mais um conselho enigmático: “continue andando, e não se esqueça de pedir um balão”. Curioso, seguiu até dar de cara com um homem vendendo saquinhos de cores diferentes onde os cubos de gelo não derretiam, e os relógios não andavam. Mesmo não conseguindo conceber em sua mente um invento mais inútil, perguntou quanto custava, e o homem lhe respondeu fervendo: “uma poesia, um abraço, e um sorriso”. Pagou de bom grado com uns versinhos de sua autoria, um abraço apertado que vinha guardando para a melhor ocasião, e um sorriso amarelo que havia restado no fundo do seu coração. Pediu também o balão, que o vendedor ficou feliz em lhe dar de presente. Amarrou-o na cintura e viu-se livre de todo o peso da Terra, flutuando por cima do Mercado Amarelo, assistindo de longe o burburinho da multidão. E quando esteve livre de todo nervoso da rotina estafante, agradeceu à sorte por ter dado ouvidos às quiméricas criaturas.

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