Todas as vezes que Maria de Los
Remedios se via tropeçando nas engrenagens avulsas pela casa, ou pisando nos
homenzinhos azulados que andavam livres pelos corredores, amaldiçoava o dia em
que seu filho conheceu o Relojoeiro. Entrava em sua oficina apenas para
praguejar contra os mistérios do tempo. O menino raquítico e seu mestre
grisalho, porém, pareciam imersos num minuto despreocupado, invulneráveis aos
impropérios da ignorância. Entretinham-se em encaixar as microscópicas
engrenagens no coração pulsante de suas invenções, discutiam aos gritos as
utilidades de um relógio que fizesse retroceder o tempo, e procuravam
exaustivamente a maneira exata de se medir um segundo. Uma vez, criaram um
enorme mecanismo para prever com exatidão a hora em que começa a chover nos
sonhos, mas tiveram que desmontá-lo por completo quando perceberam que a barba
do Relojoeiro estava presa em seu ventre metálico. Criaram também um
dispositivo para medir a duração de um pensamento, e outro que fazia os minutos
escorrerem por entre os dedos. Faziam por diversão reloginhos que mediam o
tempo a esmo, acoplando em seu interior os homenzinhos azulados que sopravam as
engrenagens. E passavam noites em claro, trabalhando ao som do incessante
compasso dos ponteiros.
Quando o
Relojoeiro amanheceu morto, caído sobre uma máquina incompleta que tinha como
objetivo retroceder a idade das doenças à insignificância de uma célula, Maria
de Los Remedios não conseguiu comemorar sua morte como pretendia, contagiada
que estava pelo luto profundo de seu filho. Passou a tarde inteira sentado ao
lado do corpo sem vida de seu mestre, meditando em silêncio. Construiu então
para si um gigantesco relógio, um monumento para lembrá-lo que o tempo não
aceita mestres, que é amigo da morte, e que não poupa nem mesmo os seus mais
apaixonados admiradores..
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