terça-feira, 24 de setembro de 2013

Longa Vida ao Relojoeiro

          Todas as vezes que Maria de Los Remedios se via tropeçando nas engrenagens avulsas pela casa, ou pisando nos homenzinhos azulados que andavam livres pelos corredores, amaldiçoava o dia em que seu filho conheceu o Relojoeiro. Entrava em sua oficina apenas para praguejar contra os mistérios do tempo. O menino raquítico e seu mestre grisalho, porém, pareciam imersos num minuto despreocupado, invulneráveis aos impropérios da ignorância. Entretinham-se em encaixar as microscópicas engrenagens no coração pulsante de suas invenções, discutiam aos gritos as utilidades de um relógio que fizesse retroceder o tempo, e procuravam exaustivamente a maneira exata de se medir um segundo. Uma vez, criaram um enorme mecanismo para prever com exatidão a hora em que começa a chover nos sonhos, mas tiveram que desmontá-lo por completo quando perceberam que a barba do Relojoeiro estava presa em seu ventre metálico. Criaram também um dispositivo para medir a duração de um pensamento, e outro que fazia os minutos escorrerem por entre os dedos. Faziam por diversão reloginhos que mediam o tempo a esmo, acoplando em seu interior os homenzinhos azulados que sopravam as engrenagens. E passavam noites em claro, trabalhando ao som do incessante compasso dos ponteiros.
        Quando o Relojoeiro amanheceu morto, caído sobre uma máquina incompleta que tinha como objetivo retroceder a idade das doenças à insignificância de uma célula, Maria de Los Remedios não conseguiu comemorar sua morte como pretendia, contagiada que estava pelo luto profundo de seu filho. Passou a tarde inteira sentado ao lado do corpo sem vida de seu mestre, meditando em silêncio. Construiu então para si um gigantesco relógio, um monumento para lembrá-lo que o tempo não aceita mestres, que é amigo da morte, e que não poupa nem mesmo os seus mais apaixonados admiradores.

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